Mar à Pedra

Mar à Pedra

terça-feira, 30 de setembro de 2008

Quem parte e reparte…

A vila da Nazaré constitui um núcleo de formação recente descendendo os seus habitantes, directamente, dos empenhados e corajosos pescadores da Pederneira, aos quais se vieram juntar, no século XVI, os pescadores do desaparecido porto de Paredes e, no século XVIII, os pescadores vindos de Ílhavo.
Contudo, pronunciar acerca do concelho da Nazaré sem abordar as mutações geofísicas ocorridas ao longo dos tempos é analisar, de uma forma superficial, a História Urbana dos vários aglomerados populacionais do território em análise.
Os vestígios da pesca em toda a área que hoje representa o Concelho da Nazaré são muito antigos e os portos de mar sucederam-se uns aos outros à medida que o mar ia recuando. A existência de povos com larga civilização e cultura compreendem-se na medida em que o problema da alimentação, premente em todos os tempos, estava aqui resolvido, na Lagoa da Pederneira. Em 1315 o mar acercava a Torre de D. Framondo, hoje próximo do povoado de Mata da Torre, chegando a construir-se embarcações a nordeste do lago, no porto do Monte de S. Bartolomeu.
O gradual assoreamento acentuado no decurso do século XVIII pôs a descoberto as terras onde hoje se levanta a Praia. Este mar interior servia a Pederneira, Maiorga, Cós e Alfeizerão, hoje terras interiores. Com o florescimento do novo povoado, outros vão perdendo relevância ao nível socioeconómico, com considerável destaque para a então vila da Pederneira.
Tudo isto se alterou, resultante de processos naturais, contudo também o Homem não fica dispenso de imputações. É delicado gerar equilíbrios quando os interesses do Homem entram em conflito com os da Natureza. Só neste Concelho temos diversos exemplos, nomeadamente o dos monges que em 1291 fundam a primeira Escola de Engenharia de Hidráulica Agrícola do Mosteiro de Alcobaça que, ao longo de diversas etapas, foram a pedido de D. Dinis, enxugando, entre outros, o paúl do Valado; ou quando em 1850 se desgarra, pela primeira vez, a foz do rio Alcoa; ou, ainda, quando em finais do século XVIII se realiza o plantio do pinhal de Nossa Senhora da Nazaré com o intuito de escorar as areias que rompiam pelo Sítio da Nazaré; e até a recente implementação do Porto de Abrigo da Nazaré, que criou uma nova paisagem.
É essencial apreendermos a génese das coisas para as abordarmos de uma forma ajustada, penso que isso não é o que tem sucedido ao longo dos anos no Concelho da Nazaré. Na verdade, as autarquias têm o dever de atentar à preservação da Cultura e História dos mais variados povoados, isso não é o que tem sido feito neste Município. A total ausência de estratégias organizativas e canónicas, como um Plano Arqueológico, um Plano Director Municipal (PDM) bem elaborado, Planos de Pormenor dos vários agregados populacionais do Concelho e, em último recurso, os Planos de Urbanização, contribuem, fortemente, para o desordenamento urbano, que se veio a intensificar a partir de 1997, data em que entrou em vigor o PDM do Concelho da Nazaré. Na última década, têm-se vindo a executar “atentados” urbanísticos que se deveram a uma aprovação deste documento de uma forma superficial e inconsciente. Basta observar o que este “limbo” criou na zona de Caixins-Norte e Sul, na zona do Camarção e Nova Nazaré, situações que proporcionam considerável desertificação da zona antiga dos núcleos urbanos.
Nesta altura começa-se a debater a revisão do PDM, contudo estou receoso que todo este processo venha a privilegiar interesses políticos, económicos e até pessoais. Por isso, e para acautelar transactos, seria essencial que o debate destes objectos fosse consumado por todos os eleitos de uma forma democrática, mas, principalmente, com a participação da população que será, na prática, quem aplicará as directivas a delinear.
Também os Planos de Pormenor e de Urbanização são complementos importantes para a constituição de regimes claros e restritivos, que espelhem a identidade urbana dos povoados.O que se impõe é que esta temática não seja gerida de dentro para fora, mas sim de fora para dentro, ou seja, de uma forma aberta e interventiva e não restritiva e ditatorial. Mas, para isso é imprescindível clarificar as regras para que estas não sejam alteradas depois de “as equipas entrarem em campo”. Isto, para que se dê prioridade ao colectivo e não ao individual, apenas, e só, para que a Nazaré não continue a ser retalhada ao sabor do proveito de alguns.
Publicado em: Região de Cister