Mar à Pedra

Mar à Pedra

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Farsa dos Enganos

Sou o Anjo dos “Aflitos”, aguardo por clientela para uma ida ao Paraíso ou então para a “Quente Panela”. Junto à Barca eu me encontro mas nela não estou sozinho, vem comigo o inimigo, o demónio, o diabinho! Tenho cá a impressão que com ele irá mais gente porque as gentes desta terra gostam de água bem mais quente.
Eis que chega D. Quixote, com um ar muito lampeiro, com a cara bem lavada e um caixote de dinheiro. Ora viva D. Quixote, afinal o que o cá o trás, quer vir para o Paraíso ou para o lado de Barrabás? D. Quixote replica duma forma exaltada, não me interessa para onde vou, só vou para mandar, pois já não estou habituado a que me mandem calar! Pois bem, disse o Anjo, este lugar é diferente para vir cá para mandar tem de ser inteligente. Para mim não é problema, disso tenho com fartura, mesmo só com um olho vejo mais que a conjuntura. Tenho feito e desfeito tudo o que me apetece, a mim ninguém me afronta, nem tão pouco me aborrece. Pela obra que tenho feita sou, por todos, respeitado, deixei todos milionários e um campo de golfe montado, mas não foi só este o legado, também fiz uma Marina, tudo foi subsidiado, até a quota da corvina. Se cheguei a este ponto só devo ao Corregedor, que me pôs neste poleiro e emigrou para o Equador. Resumindo, tudo fiz para o povo ter abastança, prova disso, vai chegando o meu amigo Sancho Pança.
Este vem com andar lento pois já está muito cansado, no novo Parque Subterrâneo deixou o carro arrumado. O Anjo saúda o cliente e alerta o convidado: - Tem de ter mais cautela onde deixa o carro estacionado, ainda vem uma “leva de mar” e fica o Parque inundado. Isso não é problema, replica Sancho Pança, tudo se resolve desde que haja abastança. De boca tudo se faz e se transmite riqueza, o povo é que é culpado que dá sinais de avareza. Aqui estou com o meu Mestre que admiro e respeito tanto, que vou seguindo para todo o lado, pelo menos por enquanto. Sou o seu braço direito, comigo está acomodado, até levar a mordidela depois é que vê onde está sentado. Sou um homem de progresso e de revoluções, essas claro, na carteira e que sejam de milhões.
Logo atrás vem uma trupe, a restante comitiva a Dulcineia, o Senhor e os restos da Estiva. Replicam todos em coro, só queremos uns milhõezinhos, almoços com primor e a Festa dos Vizinhos. D. Quixote confronta-se com aquela afirmação, depois de pensar um pouco replica: Porque não? Só vos cobro um imposto e que o cumpram com acato, que se isentem de pensar durante este mandato. Para nós não é problema, esta foi sua resposta, “roupas novas e enganos” é disto que a gente gosta. Não somos pelo sudoeste nem tão pouco pela nortada, somos por quem nos dá bilhete, para nas Festas, ir à Tourada.
O Anjo farto daquilo mandou tudo para a barcaça, o Diabo leva-vos a todos numa viagem em que vão de graça. E lá foram arrumados com a barca a transbordar, depois é que se lembraram que não foi feita para navegar. Ai Jesus! Gritavam eles, vamo-nos fundear, agarrem o dinheiro para este não se molhar. A Barca foi ao fundo e o dinheiro foi o culpado por ser o vício do mundo, devia ser ao mar lançado.
E o burgo dos pobrezinhos ficou assim enjeitado, só lá ficaram o Doutor, o Rejeitado e o Enganado. Veremos como se aguentam sem o caixote dos milhões, o que sobrou foi o fel que dá muitas comichões. Com estes também ficaram os granjeados Mensageiros que enquanto puderam, arrecadaram bons dinheiros. Não por dizer a verdade mas por maquilhar a mentira, a vez deles chegará para ouvir a voz da Ira.Esta história foi contada pela Praia, Sítio e Pederneira, por uma velhinha gorda que chamavam de “Enleadeira”. A única semelhança só aqui será encontrada: na velha Praça de Touros ou então numa Cégada.
Publicado em: Região de Cister