O motivo, mais óbvio, que
originou as recentes manifestações populares foi o galopante e intencional
empobrecimento popular, promovido, com maior incidência, pelo atual governo da
nação. No entanto, uma razão um pouco mais subliminar tem a ver com um fenómeno
já antigo, que redunda num contínuo afastamento das populações em relação à
política e, em particular, aos partidos políticos ou às pessoas que os compõem.
Isto deve-se, acima de tudo, a um gorar de expetativas da sociedade civil que
se vem agravando desde o brotar da alegada Democracia, que vigorou nas últimas
décadas. Digo alegada porque, na sua essência mais purista, a Democracia é, tão-somente,
a atribuição de responsabilidades ao povo dos destinos das populações, algo
que, a meu ver, jamais se efetivou em Portugal. No pós 25 de Abril, os partidos
políticos, recém criados, depressa encetaram esforços para cativar o maior
número de eleitores, e diga-se que foi um momento em que a sociedade civil
borbulhou, intensamente, na discussão dos seus destinos. Infelizmente, depressa
a poeira assentou e o sistema político, ainda agora vigente, criou maus hábitos,
ciclos governativos estereotipados, o discurso partidário enregelou e daí até
ao desconsiderar o povo foi um pequeno passo.
O que, habitualmente, chamamos de
Democracia depressa se tinha transformado num sistema oligárquico, em que uma
elite governa e o povo assiste, de longe, ao faz e desfaz, contínuo, sem que em
nada possa intervir.
A profissionalização de políticos
foi o último passo, e mais célere, para a degradação do atual sistema. O que
anteriormente era uma responsabilidade, muitas vezes, rejeitada por quase todos,
tornou-se num privilégio financeiro a que muitos acorriam com a ambição de
fazer disso a sua carreira profissional.
As populações, longe deste jogo
de bastidores, foram sendo desprovidas de direitos enquanto os políticos e
legisladores criavam privilégios, benefícios lícitos e ilícitos ao ponto de nem
o sistema judicial ter coragem de os combater. Renascia um novo fenómeno: a
corrupção.
A constante interligação entre os
poderes político, judicial e económico deu origem a um processo de desconfiança,
que só estagnou com o crescimento abrupto das condições de vida dos cidadãos, nos
anos 90, ainda que de uma forma subvertida como, infelizmente, hoje atestamos.
Chegámos a um momento em que a
classe política abusa do sistema vigente, chegando a executar as antíteses das
propostas apresentadas ao eleitorado, sem que nada de anormal suceda. Todos
estes factos têm dado origem a uma neoplasia célere no sistema denominado de
democrático. Nos últimos anos, as populações declinam a delegar em alguém os
seus destinos, porque renegam a classe política. Eis a verdadeira razão das
manifestações massivas de cidadãos, que somente exigem seriedade na classe
política e que estes se limitem a desempenhar a simples função de resolver os problemas
dos cidadãos.
Depois desta lenta e contínua
mutação, que penso se tornou irreversível e com solucionamento imprevisível, é
com enorme espanto que verifico que no concelho em que nasci e habito se está,
agora mesmo, a promover uma subversão do que deve ser o estado social e
democrático. Pois bem, é intenção do atual executivo camarário, ou pelo menos
de cinco ou seis vereadores, de concessionar, por trinta anos, o serviço de
águas e saneamento e, logo de seguida, o estacionamento público a privados.
Por muito que a discussão redunde
em demagogia bacoca, o que importa é que em momento algum estes políticos
propuseram tais medidas à população e agora, depois de eleitos, e em final de
mandato, pretendem esvaziar as suas próprias responsabilidades públicas. É no
mínimo ilegítimo, sem que se ouçam as populações, promover a alienação de bens
públicos para serem geridos por privados às custas do investimento dos
cidadãos. Defendo que a Democracia tem um preço elevado, todavia cabe aos
nossos governantes não se imiscuírem de gerir a causa pública. Para quem o não
quer fazer, o que é legítimo, só resta a saída. Felizmente, que um dos
vereadores social-democratas tomou a decisão mais congruente: a demissão de
funções. Assim fizessem todos os que se servem do sistema, era um sinal de
vitalidade.
Termino a minha reflexão,
exprimindo que a geração que viveu Abril, de uma forma ou de outra, resolveu os
seus problemas só que olvidou, ou não, que as vítimas destes artifícios serão as
gerações vindouras. Ainda vão a tempo de recuar. Só não recua um fervoroso
adepto da teimosia. A solução é possível, mas se a não procurarem ou atingirem
saiam de cena e dêem oportunidade à geração portuguesa, mais qualificada de
sempre, de resolver o que a antecessora fizera. Pelo menos enquanto há tempo.
Orlando Jorge E. Rodrigues
Versão completa de artigo publicado em Região de Cister (26 de Setembro de 2012)
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